Enraizada nos territórios, formação em Agricultura Resiliente ao Clima conecta áreas secas da América Latina

Em Santigo del Estero, região chaquenha da Argentina | Foto: Nicolás Avellaneda

Quando falamos em mudanças climáticas, o que lhe vem à mente? E quando falamos de estratégias para o enfrentamento desta situação, em que você pensa? Se você vislumbrou estratégias nas quais o protagonismo é dos povos que vivem e atuam nos espaços rurais das áreas secas, chegou perto do assunto a ser tratado neste texto.

No dia 9 de março, o Programa de Formação em Agricultura Resiliente ao Clima, uma ação do projeto DAKI Semiárido Vivo, será lançado iniciando um período de intercâmbios virtuais e experiências práticas que vão ampliar os conhecimentos nos campos metodológico, tecnológico e organizativo para quem se dedica a produzir alimentos saudáveis em áreas com déficit hídrico e muito atingidas pelas mudanças climáticas.

“O DAKI contribui como uma conexão entre povos que, ao mesmo tempo que fornecem informações para outras regiões, para outros agricultores, também recebem informações. E, tanto a informação que fornece como a que recebe constitui uma riqueza de conhecimentos extraordinários que enriquecem grandemente as práticas da nossa agricultura para garantir a segurança alimentar e a soberania dos nossos agricultores”, sustenta Ismael Merlos, da Fundación Nacional para el Desarrollo (FUNDE),.

A FUNDE é uma das organizações executoras do projeto DAKI Semiárido Vivo, junto à Fundapaz e à Associação Programa Um milhão de Cisternas (AP1MC). Tanto FUNDE quanto Fundapaz fazem parte da Plataforma Semiáridos. Já a AP1MC faz a gestão física e financeira dos programas da Articulação Semiárido (ASA).

“A Plataforma e a ASA são redes que trabalham na América Latina questões de acesso à terra e ao território e à água, questões de inovações tecnológicas com o objetivo de gerar propostas que sejam resistentes às alterações climáticas”, explica Gabriel. Estas duas redes fazem a sustentabilidade política e metodológica do projeto DAKI Semiárido Vivo e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrário (FIDA) apoia financeiramente a ação.

“O programa DAKI Semiárido Vivo é uma iniciativa de gestão do conhecimento que gera uma enorme oportunidade para também consolidar processos de intercâmbio entre técnicos, produtores, mulheres, jovens, grupos afrodescendentes, povos originários, comunidades tradicionais para gerar processos de aprendizagem e formação em práticas agrícolas e sociais. E, por esta razão, consideramos que é uma enorme oportunidade para gerar um processo de cooperação Sul-Sul que vá além da América Latina, podendo também incorporar áreas como a África ou a Ásia que têm as mesmas características que os países do Semiárido da América Latina”, ressalta Gabriel Seghezzo, da Fundación para el Desarrollo en Justicia y Paz (Fundapaz), organização que executa o DAKI na Argentina.

Formação com raízes territoriais e alcance continental – Apesar de ser realizado no ambiente virtual e de unir pessoas em regiões distantes da América Latina, o programa estimula a formação ou fortalecimento de redes territoriais que trabalham com agricultura resiliente.

“Buscamos o enraizamento dos aprendizados não apenas nos participantes que estão participando diretamente das sessões educativas, mas também para as pessoas que vivem nestas comunidades, nestes territórios, os diferentes atores sociais, as organizações de referência. Ou seja: que todos possam beber um pouco da fonte rica que vai ser esta formação”, explica Rodica Weitzman, coordenadora do componente de formação do projeto DAKI Semiárido Vivo.

E continua: “A ideia que nós temos é que no final do programa estamos construindo o que a gente chama de redes territoriais e, cada vez mais, estas redes territoriais vão se ampliando, vão se fortalecendo e vão dando sustentabilidade para as ações previstas dentro de planos de ação em agricultura resiliente ao clima no âmbito territorial.”

Além de promover intercâmbios e estimular a formação de redes territoriais em torno de recursos e conhecimentos que fortalecem a prática agrícola diante dos reveses do clima, o programa de formação também tem um grande trunfo: o material pedagógico construído a partir das experiências práticas que permitem a convivência com o Semiárido.

Desde quando o projeto iniciou sua ação, foi realizado um levantamento dos conhecimentos já organizados e sistematizados sobre as experiências de convivência com o Semiárido nos três territórios de ação do DAKI SV.

Tal levantamento mapeou quase 300 práticas existentes em todo o Semiárido brasileiro, no Chaco argentino e paraguaio e no Corredor Seco de El Salvador, Nicarágua, Guatemala e Honduras. Das 300 experiências, foram selecionadas 65 para serem sistematizadas a partir do projeto DAKI SV.

As sistematizações levadas a cabo pelo DAKI buscam observar com mais profundidade os elementos que contribuem para que tal iniciativa amplie a capacidade das pessoas de viverem e produzirem alimentos em áreas secas.

“Estas inovações vão estar no centro do programa no sentido de fomentar o processo de reflexão coletiva e apoiar o processo de multiplicação que se aprende por parte dos participantes de todos os territórios”, assegura Rodica.

Das 65 experiências, 10 serão estudadas com mais profundidade a partir de um método de observação sistêmico do agroecossistema familiar. Trata-se do método Lume que é capaz de averiguar dados quantitativos e qualitativos e também de tornar perceptível processos e fluxos que são determinantes para o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema produtivo.

Parte virtual e parte presencial – Apesar da internet ser um meio para a realização das aulas – síncronas (ao vivo) e assíncronas – o programa de formação também tem momentos de encontros presenciais entre os participantes que moram numa mesma comunidade ou comunidades vizinhas. “A formação se divide em duas etapas. A primeira se estrutura em um curso que se divide em 4 módulos. Cada módulo tem duração de três semanas e tem um tempo intermodular, tempo comunidade, quando os/as participantes vão fazer os trabalhos práticos, de forma coletiva, no âmbito de suas comunidades e territórios”, explica Rodica.

“A segunda etapa da formação, que começa em agosto, envolve a construção e implementação de um plano de ação em agricultura resiliente ao clima, também no âmbito das comunidades e territórios, e igualmente um exercício coletivo. A ideia é que os participantes envolvam suas famílias, grupo de jovens, grupo de mulheres, organizações de base comunitárias e assim por diante nestes planos de ação, que vão permitir por em prática o que aprenderam na primeira etapa”, complementa ela.

A realização das aulas via internet, sem dúvida, é um dos pontos mais delicados da proposta de formação. “É um desafio que o programa enfrenta. É um desafio para as três regiões, cada uma tem a sua própria estratégia e, ao mesmo tempo, é também uma forma de tornar visível a necessidade de melhorar a conectividade rural em terras secas”, destacou Gabriel Seghezzo, que coordena o projeto DAKI SV na Argentina.

“O DAKI terá uma estratégia de conectividade para o acesso universal à informação para os participantes do programa, mas ainda é um enorme desafio a resolver em alguns casos específicos em que a conectividade é mais difícil”, acrescenta.

Na Argentina e El Salvador, a estratégia mais importante é a organização de Centros de Conectividade, onde os participantes acessarão à internet para assistir às aulas online e baixarem os conteúdos das aulas assíncronas nos seus celulares e assistirem em outro momento.

Em El Salvador serão 15 centros de acesso à internet. Na Argentina, cerca de 50. No Brasil, esse apoio logístico será oferecido pelas instituições que atuam nos territórios onde os participantes vivem. “As organizações de referência têm um papel muito forte, muito importante no processo de apoio aos participantes: apoio ao acesso à internet, apoio ao deslocamento de um participante, apoio a partir dos saberes acumulados por estas organizações de referência com suas experiências de implementação de tecnologias, a exemplo das cisternas”, assegura Andréa Sousa, da ONG Esplar, com atuação no semiárido cearense.

E quem pode participar da formação? – Podemos dizer que os/as 1,3 mil participantes deste programa de formação foram escolhidos/as a dedo, praticamente. Isso porque para se tornar um/a educando/a, o/a interessado/a deveria dar conta de vários critérios: desde viver em territórios pré-definidos a ter capacidades como perfil de liderança comunitária e abertura para aprender e inovar.

Para cada uma das três regiões da América Latina, havia um número de vagas a ser preenchidas observando uma composição que envolvia quantidade de técnicos/as (50%) e agricultores e agricultoras (50%), quantidade de mulheres (pelo menos 50%), jovens (pelo menos 40%) e distintos grupos étnicos (60% pessoas não brancas, povos originários e comunidades tradicionais).

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