Daki Semiárido Vivo
A revolução saborosa protagonizada por jovens do semiárido
Da mandioca à tapioca, passando pela farinha. Do cultivo da pimenta à preparação do molho e comercialização de geleias. Jovens do Semiárido brasileiro estão protagonizando uma “revolução saborosa” com a produção e o beneficiamento de alimentos. A partir da perspectiva agroecológica, as iniciativas se fortalecem como alternativa aos transgênicos e aos alimentos envenenados pelos agrotóxicos, ao mesmo tempo que contribuem para recuperar a Caatinga e fortalecer a economia solidária nos territórios.
No assentamento da reforma agrária João Pedro Teixeira, localizado na zona rural do município paraibano de Mogeiro, o jovem agricultor e técnico agrícola Joab Luciano Rodrigues, 29 anos, lidera o que chama de “pequena agroindústria”. Em um roçado que ocupa 4 hectares dos fundos do sítio onde mora com a família, Joab cultiva a mandioca, carro-chefe do empreendimento familiar.
Na área em frente à propriedade, o tubérculo é processado na casa de farinha e transformado também em goma e beiju. Os produtos à base de mandioca são comercializados na feira agroecológica da cidade e garantem o sustento de Joab, dos pais e do irmão que dividem o trabalho e os lucros.
“Entendi que o cultivo da mandioca se adapta melhor à nossa região chamada de polígono do Semiárido. O terreno arenoso se dá muito bem com a mandioca. Outros agricultores abandonaram o cultivo porque é trabalhoso, mas a gente vai na contramão porque sabe que os produtos derivados, como a goma por exemplo, estão em alta no mercado, por isso estamos investindo”, afirma Joab.
Além de cultivar e beneficiar a raiz, o jovem também desenvolveu junto com a família práticas de manejo dos resíduos sólidos, implantou o controle agroecológico de pragas e instalou horta suspensa e forno solar. O resultado é a diversificação da produção do sítio e mais oportunidade de geração de renda.
“A gente tem plantação de coentro, estufa hidropônica para produção de alface e mantemos uma criação de gados, que são alimentados com os subprodutos da mandioca como casca e maniva”, explica Joab.
A pouco mais de 200 quilômetros, na comunidade Sítio Sobrado, em Jataúba, Pernambuco, o casal Gildo José da Silva e Tatiane Faustino vive experiência agroecológica semelhante. Eles trocaram a produção de hortaliças, que não resistiam ao forte calor e ao baixo índice pluviométrico do agreste, pelo beneficiamento do milho e de frutas.
A mudança começou há 10 anos quando Gildo ingressou na Comissão de Jovens Multiplicadores/as da Agroecologia (CJMA), coletivo que atua em Pernambuco, e onde pôde participar de formações políticas e teve contato com a agroecologia. Foi no movimento, segundo ele, que despertou para a possibilidade de comercializar a produção, estudar e se capacitar para viver e investir na propriedade, “gerando renda, e produzindo comida de verdade”.
“Antes eu não ligava para fazer nada da roça e do sítio, porque não tinha geração de renda para mim. Hoje, faço o beneficiamento da produção e produzo geléia de frutas, [maracujá com manga e de pimenta]. Do milho eu faço fubá e farinha de milho. Também faço molho de pimenta”, conta Gildo.
Bodes nativos e criação de animais no Semiárido
Outra atividade com a qual os jovens têm contribuído é na criação de animais. Junto à sua família, os quatro irmãos Luís, Valéria, Jeremias e José Raul ajudam no melhoramento genético dos caprinos Landi, em Caraúbas, na Paraíba. Debaixo de uma grande sombra do pé de algaroba, Valéria Bezerras, 25 anos, e a família apresentam as cabras e seus filhotes, que possuem características particulares. Os indivíduos possuem orelhas pequenas, tetas menores, são bons produtores de leite e bastante resistentes às verminoses, em comparação a outras.
“Elas [as cabras] são adaptadas ao clima, adoecem menos, morrem menos. Não tem tanto problema quando vão para o mato, pois não arranham as orelhas, as orelhinhas são pequenas e permitem elas passarem em vários cantos. Além de serem bem astutas”, explica Valéria . A criação de animais de pequeno porte é uma importante estratégia de sobrevivência no Semiárido e de resiliência às mudanças climáticas, pois durante as secas, estes animais são reservas energéticas para a alimentação familiar. No momento, o leite é destinado para as cabras filhotes e os animais são usados para consumo familiar e o excedente é vendido.
Em Vertentes do Lério, município de Pernambuco, Larissa cria uma porca adquirida com recursos do Fundo Rotativo Solidário, gestionado pelo Centro Sabiá. O fundo incentiva que jovens possam adquirir animais ou realizar outras práticas produtivas, contribuindo assim para que participem das atividades familiares, ao mesmo tempo em que adquirem autonomia financeira.
Gestão da água
Criar animais, plantar, beneficiar alimentos, tudo isso depende de água, recurso escasso no Semiárido. Para enfrentar esses desafios, jovens e suas famílias têm experimentado e adaptado diferentes tecnologias a seus ecossistemas.
Desde 2017, a família de Valéria Bezerras tem em seu quintal um dessalinizador solar. A tecnologia permite que a água salgada disponível no poço entre salgada e saia dessalinizada. Uma fina camada de água é depositada dentro de oito estufas de vidro. Aquecida pelo sol, a água evapora, bate no vidro e escorre pelas laterais já sem o sal. O sal depositado no fundo das estufas é recolhido.
A água dessalinizada é colocada em um filtro de barro ou mesclada com uma pequena porção de água salgada para recuperar os minerais perdidos na destilação e então é própria para consumo humano. A tecnologia trata de 120 a 150 litros de água por dia e abastece outras quatro famílias que vivem ao redor. Valéria, que se orgulha da tecnologia em seu quintal, explica que ainda faltam análises laboratoriais do sal para que eles possam utilizá-lo na alimentação animal.
Em Cumaru, Pernambuco, Mônica Silva, 24 anos, que é parceira da sua mãe nas atividades de agricultura e criação animal, possui um Sistema de Reuso de Águas Cinza em Sistema Agroflorestal (RAC/SAF). A tecnologia, implantada em 2020, permite tratar a água proveniente da pia, chuveiro e máquina de lavar e irrigar uma agrofloresta destinada à alimentação animal.
No período de estiagem, o RAC tem sido muito importante para amenizar a escassez de água no SAF e manter os animais alimentados. Mônica e sua mãe enfrentam o desafio de cuidar do sistema que, no momento da visita, demandava uma assessoria técnica. Elas reclamaram que o capim estava morrendo e não sabiam como melhorar a qualidade do ambiente para as plantas e, ao mesmo tempo, garantir alimentação para os animais até o fim da estiagem.
“Plantar água”
Enquanto alguns jovens se dedicam à produção de alimentos agroecológicos e ajudam a manter a sucessão familiar no campo, outros atuam para que o futuro seja menos crítico em relação à segurança hídrica. Em Jataúba, também no Sítio Sobrado, a jovem agricultora Josilma Farias, 30 anos, tem se dedicado ao recaatingamento. A ação intitulada de projeto Águas da Serra é desenvolvida em parceria com o Centro Sabiá e tem o objetivo de recuperar quatro nascentes.
Em meio aos arbustos e às árvores que tomam conta do terreno íngreme e pedregoso, Josilma abriu trilhas para plantar palma que ajuda a recuperar o solo, mas também outras espécies que, embora sejam naturais de outros biomas, adaptam-se bem à Caatinga.
“Por exemplo, plantamos amora e siriguela e elas estão crescendo bem aqui, inclusive, em apenas um ano, já percebemos a presença de pássaros que há muito tempo não víamos mais. É sinal de que estamos conseguindo recuperar uma área que por muito tempo vem sofrendo com as mudanças climáticas”, afirma Josilma.
A luta pela água chamou a atenção de Marcos, jovem de El Salvador, que teve a oportunidade de conhecer as experiências da juventude da Paraíba e Pernambuco, “Eu pude ver que estão em luta pela água. Em El Salvador também temos a problemática da água. Eles estão tentando cobrir o solo com a poda. É um terreno menos inclinado que o nosso e hoje estão plantando água”.
Kleber Nunes e Lívia Alcântara