Mudanças climáticas já afetam áreas secas da América Latina e tendem a piorar na próxima década

O que mais se pode fazer além de esperar que os governos reduzam a emissão de carbono na atmosfera? Como proteger a produção de alimentos, principalmente, nas áreas secas?

Desde 2012, quando começou uma seca intensa que durou de cinco a seis anos, o Semiárido brasileiro tem registrado menos chuva. Até nas regiões mais úmidas deste território, o regime pluviométrico não é mais o mesmo. Esta é uma realidade enfrentada, por exemplo, no território da Borborema, na Paraíba.

Rio Parana | Foto: Augustin Marcarian , Agência Reuters

Na fronteira entre Argentina e Paraguai, o rio Paraná, o segundo maior da América do Sul depois do Amazonas, apresenta trechos completamente secos. Este é o registro mais acentuado do nível da água dos últimos 77 anos, destaca o portal RT, o primeiro canal de televisão russo em língua espanhola com um sinal mundial.

Na América Central, eventos climáticos extremos são muito mais frequentes na década de 2010 a 2020, com registros de 147 desastres que afetaram 18,5 milhões de pessoas e a produção de alimentos, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Estes breves relatos já dão conta de que o planeta Terra vive dias de alterações no clima. Os dados divulgados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ligado às Organização das Nações Unidas – ONU), no dia 9 passado, não só relaciona estas perturbações ao aumento da temperatura global, como anuncia um prognóstico bastante preocupante para a próxima década.

“Uma das principais constatações dos cientistas é de que o mundo viverá uma transformação de seu clima anos antes do que se previa originalmente. A elevação intensa poderá já ser identificada na década de 2030, cerca de dez anos antes das estimativas feitas no início do século”, destaca texto publicado pelo El País Brasil sobre este relatório do IPCC.

O IPCC reúne o conhecimento produzido por cientistas de alto nível – independentes e ligados a organizações e governos – sobre a crise climática e suas implicações na produção de alimentos, acesso à água, propagação e ampliação de doenças, migrações, aumento da pobreza e da fome, entre outras áreas imprescindíveis para a vida.

Neste relatório, a relação entre aquecimento global e ações antrópicas é muito mais enfática do que nas versões anteriores. Segundo o meteorologista e cientista do solo, Humberto Barbosa, que integrou a equipe de revisão deste informe, “os humanos estão inequivocamente aquecendo o planeta, o que está provocando mudanças rápidas na atmosfera, nos oceanos e nas regiões polares e aumentando o clima extremo em todo o mundo.”

Quando a ficção científica vira realidade – A sensação é de estar num filme de ficção científica, destes que projetam a vida no planeta Terra centenas de anos à frente. O difícil é encarar que os impactos relatados já são sentidos e se intensificarão num futuro bem próximo.

O texto assinado pelo colunista Jamil Chade no El País relata o seguinte cenário: “Milhões de famintos, êxodo, conflitos, queda de atividade econômica e crise social. Esses são alguns dos cenários traçados por cientistas diante da constatação de que as mudanças climáticas vão se acelerar nos próximos anos e que, se não houver uma transformação radical de políticas públicas e estrutura da economia, a presença humana no planeta viverá uma nova era, muito mais hostil.”

Apesar de chocante, o texto não exagera. O tom de alerta máximo é compartilhado por Humberto Barbosa, que também é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordena o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS), que monitora a seca e a degradação do solo em todo o país: “Embora algumas das mudanças sejam irreversíveis por milênios, algumas podem ser retardadas e outras revertidas por meio de reduções fortes, rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa. Mas o tempo está se esgotando para cumprir a meta ambiciosa estabelecida no Acordo Internacional de Paris de 2015 de limitar o aquecimento a bem abaixo de 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Para fazer isso, é necessário obter as emissões globais de dióxido de carbono em um curso descendente que alcance o zero líquido por volta de ou antes de 2050”.

E o que podemos fazer? – Mas o que podemos fazer além de esperar e torcer para que as nações, inclusive as que estão sendo conduzidas por governos que negam as mudanças climáticas, como o Brasil, cumpram as metas do Acordo de Paris?

Na América Latina, uma ação de cooperação entre países que envolve Brasil, Argentina e El Salvador, financiada pelo FIDA (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola ligado à ONU) pretende ampliar a resistência das comunidades e territórios produtores de alimentos, situados em áreas secas, aos extremos climáticos. Estima-se que, no mundo, mais de 1/5 da produção de alimentos venha de regiões subúmidas, semiáridas ou áridas, as quais representam cerca de 55% da área continental do planeta.

Caatinga em chamas no sertão de Pernambuco, no Brasil | Foto: Bruno Morais

De uma aliança entre ASA, Plataforma Semiáridos e FIDA nasceu o projeto DAKI Semiárido Vivo, cuja ação está voltada para proteger a produção de alimentos por meio de duas linhas estratégicas. A primeira é a colheita de conhecimentos sobre boas práticas já existentes de Agricultura Resiliente ao Clima (ARC). “Estamos olhando, sobretudo, para o manejo de solo, de bosques, florestas, e também para o manejo da água, seu estoque e uso racional”, comenta Antônio Barbosa, coordenador geral do projeto DAKI.

A segunda linha de ação do projeto, que une as regiões secas da América Latina, é a construção e oferta de três programas de formação para duas mil pessoas que vivem e produzem no espaço rural, como agricultores/as familiares, comunidades tradicionais, povos indígenas, e também técnicos/as que atuam em organizações de assessoria à agricultura familiar da sociedade civil e de governos.

“O DAKI se propõe a construir alternativas reais para enfrentar as mudanças climáticas na perspectiva de adaptação e de mitigação dos efeitos causados pelo aquecimento global. Hoje, o Semiárido brasileiro tem 94% de seu território com possibilidade de entrar em processo de desertificação. Isso é assustador”, ressalta o sociólogo.

Antônio Barbosa também acrescenta que não podemos perder de vista a construção de políticas públicas para as regiões secas. “Precisamos cobrar, por exemplo, medidas de proteção das florestas. O bioma Caatinga [que predomina na região Semiárida do Brasil] está com 53% de sua área devastada, com muitas queimadas ano a ano. Precisamos retomar os planos de combate à desertificação, tanto o nacional, que a ASA esteve envolvida na construção, quanto os estaduais, que foram construídos em todos os Estados do Semiárido brasileiro.”

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