Sucessão rural: a experiência com jovens apicultores no Sertão do Ceará

Catiana Nascimento Marques tem 37 anos e é integrante da Associação de Apicultoras e Apicultores Santana do Acaraú (Apisa – Doçura) desde 2018. Nesta entrevista, ela conta como o grupo tem lidado com o desafio de apresentar a apicultura como uma atividade atrativa para os jovens no Sertão de Sobral, Ceará.

A APISA surgiu a partir do Grupo Mulheres que Colhem Doçura, reconhecido como o primeiro grupo de mulheres apicultoras do Brasil. A formalização se concretizou em 2012, com apoio da Incubadora Universitária de Empreendimentos Econômicos Solidários UVA/IEES e com ela as associadas passaram a ter acesso a recursos públicos. Compraram mais colmeias e construíram a Casa do Mel. Atualmente, a associação também trabalha com homens e tem apoio do Centro Cooperativo Popular de Santana do Acaraú (CEPOP-STA) e de outros parceiros. 

A entrevista aconteceu durante o intercâmbio entre agricultoras/es do Projeto DAKI – Semiárido Vivo no Sertão do Ceará. Durante os cinco dias de atividade, os 31 participantes puderam visitar diversas/os agricultoras/es experimentadoras/es e um tema central nas reflexões foi a sucessão rural. 

Visita à Casa do Mel, APISA – Doçura durante o Intercâmbio DAKI – Semiárido Vivo no Ceará. Foto: João Caetano/IAC.

Além do trabalho da APISA, a Agroindústria Cajuína Clariana foi outra experiência interessante neste sentido. A empresa é gerida pelo pai e os dois filhos, que conseguem aplicar o conhecimento tradicional dele e adaptar o produto às exigências atuais do mercado. 

Leia a entrevista completa com a apicultora Catiana.

Como a Apisa tem inserido os jovens na produção do mel?

Sempre tivemos essa luta na busca por engajar mulheres e jovens. Na associação de apicultoras, a gente tinha mulheres veteranas. Elas entraram lá com trinta e poucos anos, hoje já têm cinquenta e poucos.

Com a abertura para inclusão de homens no grupo, a demanda por jovens ainda continuou, que é uma das exigências do Projeto São José. A gente não tinha nada a oferecer ao jovem. Porque realmente a gente só tinha conversa. Eu não posso chegar para os jovens e dizer: “Não vai trabalhar na cidade porque tu vai criar a abelha”. Quais as coisas que eu vou dar pra aquele jovem criar a abelha? É complicado.

E aí com o Projeto São José, a gente ganhou colmeias e indumentárias. Sentamos eu, o professor Chico Guedes, Dona Iduína e discutimos essa possibilidade de criar o que a gente chamou de núcleo de jovens.

Chamamos jovens da comunidade. Inicialmente, só os filhos das apicultoras. A maioria queria trabalhar com a APISA, mas na parte administrativa. “Ah, eu fico na parte de contabilidade, na parte de comunicação, de marketing”. E aí tem alguns jovens, que quando a gente precisa, vão lá pra fazer essa parte.

Mas eu acho que o mais importante que a gente conseguiu fazer, foi apoiar jovens que tinham vontade de nos procurar, que queriam trabalhar com a apicultura. 

A gente fez um contrato de concessão e eles se tornaram sócios da associação. No início, eles receberam cinco colmeias e algum acompanhamento técnico, porque a gente não tem um técnico particular. Aí o que a gente fazia? Eles levavam as caixas, pintavam e quando conseguiam um enxame, chamavam a gente. E íamos ajudar a capturar, a fazer uma limpeza, a revisão. A gente ia, estava aqui a nossa equipe, eu, a Dona Iduína e o Marcelo.

Todo esse trabalho voltado para essa questão da sucessão rural, porque o nosso medo é de daqui uns dias a gente não tenha mais apicultores.

Como a gente ficou com poucas mulheres [de 30 associados, hoje apenas sete são mulheres]…Não sei, acho que é o cansaço mesmo, a apicultura é boa, mas… É um serviço muito pesado, aquela caixa quando ela tá cheia é muito pesada pra gente mulher estar manuseando. É tanto que a gente sempre junta uma equipe e vai.

Quando vem alguém para se associar, a gente prefere que seja mulher, porque eu acho que a mulher, dentro do empreendimento, ela tem outra visão, né? Os homens têm muito essa visão do produzir para comercializar e as mulheres já vão pra parte social também, apesar de produzirem bem mais do que os homens. 

Por que tem poucas mulheres interessadas em entrar para a apicultura?

Eu acho que é o mesmo processo que ocorreu da outra vez, as mulheres têm medo. Hoje a gente tem os novatos e a gente tem duas apicultores novas, mas a maioria dos novatos que entraram foram homens.

O último que eu fui fazer a ficha dele, ele é um jovem, ele tem 22 anos. Eu disse: “nossa perspectiva é de que as mulheres entrem, de vocês chamem as namoradas (ele não era casado)”.

Aí ele achou graça. Eles acham que é um serviço que a mulher não vai suportar. Porque você vai trabalhar com abelha, levar picada e tudo. Eu acho que é cultural. 

E como essa cultura de que a apicultura não é para mulheres e de que ela pode ser uma alternativa para jovens pode ser mudada?

A escola é muito importante. Aqui a gente tem uma escola profissionalizante e tinha um curso de agroindústria. A gente nunca viu o interesse da escola em tentar mostrar para os alunos esse espaço da apicultura.

Agora, esse ano teve uma turma que foi lá na Casa do Mel. Acho que é orientado pela Ematerce. Mas fica muito a desejar, porque era uma questão para ser trabalhada mesmo.

A escola só mostra como possibilidade de trabalho a lanchonete, o supermercado. É tanto que o pessoal quer estagiar em Sobral, porque é cidade de grande porte. Mas não vê a apicultura  como fonte de renda, não vê a possibilidade de trabalhar ali para ganhar dinheiro, para crescer. 

E nem é uma atividade que demanda tanto tempo, a apicultura é igual o doce do Seu Zé Maria, ele bota lá e vai fazer as outras coisas, depois ele só fica olhando. A apicultura é do mesmo jeito.

A gente até teve uma menina que começou, só uma única mulher recentemente que começou a trabalhar com apicultura. Mas aí era jovem, teve uns problemas com o marido, separou, foi embora e devolveu as caixas.

Acho que é muito a questão da formação, a gente cria os filhos para ir para a universidade, e aí a gente acaba não levando os filhos para participar daquelas atividades diárias. A minha menina tem sete anos, ela é louca por uma roupa de coletar mel, porque ela sempre vê o processo de gente indo.

Você mencionou que os jovens poderiam estar assistência técnica interna. Como seria isso?

Um dos nossos papéis é colocar os meninos para estudarem, porque a gente tem dificuldade de acesso a assistência técnica. A gente fica na mão de assistência externa.

Hoje temos Edneudo mas quando ele não está, a gente tem que esperar. Dependemos muito da agenda dele com relação aos outros serviços.

O que a gente precisa hoje, que a gente já colocou para os meninos lá e vive colocando todo dia, é: vão estudar! Vão estudar para gerenciar os próprios negócios. Que a gente possa sair da dependência da assistência técnica de fora. Poder fazer nossa própria assistência técnica. 

Só que fica só para nós, pais, incentivar as crianças a olharem para esse viés. Porque realmente não é fácil.

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