Brasil: Destruição do bioma Caatinga é uma das consequências do olhar estrangeiro sobre o “Desertão”

Por Érica Daiane Costa e Adriana Amâncio, da Assessoria de Comunicação da ASA

A informação de que a Caatinga vem sendo cada vez mais destruída já é divulgada em diversos espaços, porém, poucos abordam as causas disso. Outro elemento que costuma não aparecer tanto é a proposição de políticas públicas para conter o avanço deste grave problema ambiental do Brasil.

Esse processo de desinformação é histórico, vem desde a colonização, quando o território existente para além do litoral foi entendido como improdutivo e impróprio para as pessoas viverem. Este território foi chamado de “Desertão”, de onde se origina o termo sertão, como lembra o pedagogo e estudioso do Semiárido, José Moacir dos Santos, colaborador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa).

Ao longo dos séculos, a ciência pouco ou nada questionou isso. Assim, a escola, por sua vez, deixando prevalecer uma educação descontextualizada, não se preocupou muito em problematizar este entendimento. A Indústria da Seca, ao contrário, reforçou, assim como os meios de comunicação e as artes durante centenas de anos também reproduziram esse imaginário do Desertão.

Disso decorre o preconceito contra a Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro que abriga 27 milhões de pessoas e uma imensa biodiversidade. Os governos e a iniciativa privada, no entanto, têm lançado cada vez mais o olhar sobre os bens naturais existentes no bioma, provocando a destruição do mesmo para fins de exploração mineral, energética, imobiliária, agropecuária, etc.

Área da Caatinga descoberta de vegetação. Foto: Arquivo Irpaa

Segundo estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), 40% da Caatinga já foi destruída e 20% está suscetível à desertificação. A pesquisa envolveu 60 milhões de hectares de Caatinga em todos os estados do Nordeste e Norte de Minas Gerais e constatou que 37,97% do bioma é ocupado por atividades agrícolas e pastagens, 59,4% por floresta, enquanto o restante dos territórios está dividido em outros usos.

“Esses dados são preocupantes e denotam a importância de criarmos mais unidades de conservação para preservar o que ainda existe e, além disso, estimular as atividades de restauração”, afirma o coordenador de Projetos do Cepan, Joaquim Freitas. Segundo os dados do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), é possível que, em cerca de 50 anos, já tenha início um quadro de refugiados do clima.

O estudo faz parte da primeira fase do projeto “O Papel da Restauração Ecológica na Sustentabilidade da Caatinga”, realizado em parceria com o Laboratório de Ecologia Aplicada da UFPE e com professores/as e pesquisadores/as de diversas Universidades.

O próximo passo do estudo é uma análise de custos das ações necessárias para restaurar o bioma. “A ideia desse projeto é trazer os primeiros experimentos e modelos de reparação para que tenhamos uma base conceitual e saibamos como efetivamente fazer o trabalho com baixo custo. Ao final, além do documento norteador de políticas públicas, teremos um documento científico e técnico que vai orientar todas as atividades, mostrando as oportunidades identificadas e desafios a serem vencidos”, diz Joaquim Freitas.

Políticas públicas específicas

As populações do Semiárido, além de necessitarem de políticas públicas para terem assegurados direitos básicos, precisam reivindicar que estas sejam apropriadas às diversas realidades da região. Dentro do próprio bioma existem particularidades e características que variam de um lugar para outro, a exemplo do clima, solo, regularidade das chuvas, vegetação.

Na maioria das vezes, os governos não consideram essas diferenças quando elaboram políticas para esta região do Brasil. “Historicamente os poderes governantes preferiram enaltecer o paradigma da pobreza e da escassez estigmatizada no drama da seca, que fizeram perdurar a crença e a sustentação da pobreza como castigo de Deus ou de que a falta de chuvas acarreta o subdesenvolvimento, o sofrimento e mais um grande número de outras mazelas, todas bem administradas pela secular indústria da seca instaurada por espertalhões da política nacional”, observa Sebastião Alves dos Santos, educador do Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), que tem atuação no Semiárido pernambucano.

Esse cenário tem sido revertido com o esforço das organizações da sociedade civil, organismos internacionais que asseguram financiamentos de projetos e por alguns governos que, ao ouvirem as entidades populares representativas, garantem orçamento público. Mas, de modo geral, permanece uma batalha em torno da criação e aprovação de leis e políticas públicas e não apenas programas de governo que, quando muda a gestão, o programa é descontinuado.

A Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos e Efeitos da Seca, aprovada em 2016, é um exemplo de uma política já aprovada, porém que precisa ser regulamentada para assim ser implementada, conforme defende Paulo Pedro de Carvalho, coordenador geral da ONG Caatinga, entidade que integra a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Ele cita programas que vinham sendo executados pela ASA, como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) e estão parados desde 2016.

Políticas de Agroecologia, de Assessoria Técnica e Extensão Rural, de Educação Contextualizada também estão paradas. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) também são exemplos de políticas que estão sendo desmontadas. Além dos planos e programas nacionais, Paulo Pedro reforça que os estados podem também implementar uma agenda política própria. Ou seja, já existe uma gama de proposições, cuja execução está paralisada.

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