Resiliência às mudanças climáticas como motor da Cooperação Internacional Sul-Sul.

Em entrevista, Antônio Barbosa, fala do intercâmbio de tecnologias de convivência com o semiárido entre Brasil, América Latina e África.

Desde 2016, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), executora do projeto DAKI – Semiárido Vivo junto a Plataforma Semiáridos, tem como uma das estratégias prioritárias o fomento à Cooperação Internacional Sul-Sul, voltada para agricultores e para a convivência com o semiárido. 

O que começou com viagens para construção das cisternas e outras tecnologias de que permitem às famílias conviver com os períodos de estiagem, hoje tornou-se uma experiência coordenada de gestão do conhecimento entre agricultores/as e técnicos/as de três regiões semiáridas da América Latina: Corredor Seco Centroamericano, Grande Chaco Argentino e Semiárido brasileiro. 

Esta entrevista faz parte da série “Agricultores Resilientes ao Clima”, composta por três textos publicados na semana da Cooperação Internacional Sul-Sul. Antônio Barbosa, coordenador do projeto, fala sobre o histórico de cooperação entre agricultores do sul global. Ele também destaca a articulação em torno do tema das mudanças climáticas dos povos dos semiáridos e os desafios nesta empreitada. 

1. A Articulação Brasileira do Semiárido (ASA) tem apostado no incentivo à cooperação entre agricultores resilientes ao clima desde o Sul Global.  Quais experiências vocês já realizaram e como vocês tem feito isso ao longo dos anos?

Antônio Barbosa – A perspectiva do intercâmbio entre agricultores é uma perspectiva que a ASA tem valorizado desde que nasceu, e acontece a partir do método que se chama “campesino à campesino”. Esse parte da perspectiva que uma agricultora, um agricultor aprende com o outro, pela proximidade, pela linguagem, pela ação. Então a ASA, possivelmente, coordena o maior programa que se conhece hoje sobre intercâmbio de agricultores. 

Ao longo do tempo, a ASA tem realizado pontualmente esta lógica de intercâmbio com outros países. Muito mais para assessorar a construção de cisternas, como no intercâmbio com o Haiti e Argentina. 

A partir de 2016, a ASA definiu no seu congresso que uma das suas estratégias prioritárias seria a Cooperação Sul-Sul. Já em 2017, a ASA, junto com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a FAO Roma, realizou duas grandes ações de intercâmbio: um com a região do Sahel africano, aquele corredor da África Subsaariana que fica abaixo do Saara. A iniciativa buscou, para além da ação de cosntrução de cisternas, apoiar aquela região no sentido de analisar sua realidade. 

Vários agricultores do semiárido brasileiro foram para Senegal conhecer as experiências daquela região. E vários agricultores e técnicos da região do Sahel, Senegal, Burkina Faso e outros países daquele entorno vieram para conhecer as experiências da ASA de convivência com o semiárido, em uma ação concreta de Cooperação Sul-Sul a partir das organizações, dos agricultores e suas equipes técnicas. 

Esta ação terminou fazendo com que a FAO lançasse um programa junto aos governos nacionais: o Programa 1 milhão de cisternas do Sahel. Enquanto a FAO lançou esta proposta junto aos governos, nós começamos a construir, junto com eles, uma proposta de sistematização de experiências, capacitação de pedreiros em construção de cisternas de placa, porque eles usam uma outra cisterna. Começamos, também, ampliar a lógica de intercâmbio entre agricultores. 

Uma outra linha de intercâmbios de experiências, neste mesmo período, foi com o Corredor Seco Centroamericano, articulada por Roma, mas com participação da FAO Chile, que é quem coordena a América do Sul e Caribe, junto com a FAO de El Salvador e com a FAO da Guatemala. Vários agricultores do semiárido brasileiro foram para a região visitar experiências de agricultores e agricultoras da Guatemala e El Salvador e nós recebemos eles e elas aqui. Esta foi uma das experiências mais interessantes no campo da Cooperação Sul-Sul que a ASA fez e muito baseada na colaboração com a FAO.

O DAKI – Semiárido Vivo é um passo novo nesta estratégia, porque você imagina, antes estávamos falando do intercâmbio de agricultores pontualmente ou da participação de técnicos que iam para algum país fazer cooperação. A gente ampliou esta lógica para uma cooperação entre agricultores de muitos países diferentes.

2. Sobre este último ponto, o DAKI – Semiárido Vivo tem como um de seus pilares a Cooperação Sul-Sul entre agricultores resilientes ao clima. O que esta iniciativa tem de inovação em relação ao que vocês já vinham fazendo anteriormente?

Antônio Barbosa –  O projeto DAKI – Semiárido Vivo faz parte de uma ação conjunta de duas grandes redes, a ASA e a Plataforma Semiáridos. Portanto é uma ação de cooperação coordenada em uma escala maior que as anteriores. 

O DAKI surge de uma proposta do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) que tem na centralidade a união entre a sistematização de experiências de agricultura resiliente ao clima de oito países (Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, El Salvador, Guatemala e Nicarágua) com a execução de uma formação para agricultores/as e técnicos/as. 

Ao mesmo tempo que envolve uma lógica de cooperação entre organizações, entre agricultoras e agricultores, também traz um elemento novo que é aproximar as universidades. Temos universidades de todas as regiões dentro desta estratégia.

Nesta cooperação também buscamos aproximar os centros de investigação. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Brasil, o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) da Argentina, e o Centro Nacional de Tecnología Agropecuaria y Forestal “Enrique Álvarez Córdova” (CENTA) de El Salvador colaboram com a gente. Outro avanço do DAKI – Semiárido Vivo tem sido aproximar tanto a cooperação ligada à ONU, como FAO, FIDA, como outras agências como a Avina. 

Então o DAKI é uma inovação! Possivelmente, seja a experiência mais consistente que se tenha hoje de Cooperação Sul-Sul, olhando para a América Latina, onde a sociedade civil está na centralidade da ação, onde ela envolve também o Estado.

O DAKI tem produzido muitos materiais. Acho que a gente nunca conseguiu produzir tanta informação sistematizada sobre tantas realidades semiáridas, organizações, questões relacionadas à água, solos, mulheres, juventude. 

Mas nós também temos desafios. O DAKI precisa avançar para estar nos espaços de diálogos internacionais, espaços do Mercosul, nos espaços que olham para a América Latina. O DAKI, com toda certeza, é uma inovação e, além de ser um programa de Cooperação Sul-Sul, possivelmente é uma das maiores oportunidades de Gestão de Conhecimento, olhando para áreas semiáridas que a gente tem no planeta hoje.

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