Brasil carece de políticas públicas que promovam a reversão da degradação do solo que, por vezes, acontece a partir de técnicas simples

Hoje (15.04), se celebra o Dia da Conservação do Solo no Brasil. Uma data muito mais para “dar um grito pela política efetiva, concreta, de conservação do solo que não temos no Brasil”, enfatiza Procópio Lucena, engenheiro agrônomo e articulador estadual da ONG Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos (Seapac), que integra as ASAs potiguar e nacional.

“O Brasil é um dos poucos países do mundo que não tem uma política concreta de conservação do solo. Nada é mais destruído, desrespeitado do que nosso solo, do que nossa Mãe Terra. Aliás, o bom é que a gente chame Mãe Terra, porque a Terra dentro deste modelo de sociedade, se vende, se compra, se faz reserva de mercado, mas com a Mãe não se faz isso. Por isso que precisamos dar o nome de Mãe Terra, porque ela é mãe, é o berço da produção, de guardar, de suportar as plantas, de dar suporte para a vida”, defende Procópio.

O Seapac é uma das organizações não-governamentais que atuam no Semiárido do Rio Grande do Norte, estado com 97,6% de seu território classificado como área suscetível à desertificação. A dimensão desta área supera, aliás, os limites do Semiárido potiguar, que corresponde a 92,3% do estado.

Cravado no Sertão do Rio Grande do Norte, na divisa com a Paraíba, encontra-se o município de Messias Targino. Com uma população de 4.188 pessoas em 2010, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o município faz parte de uma região classificada como de moderada suscetibilidade à desertificação, com índice de aridez do solo que varia de 0,51 a 0,65.

Em Messias Targino, há a comunidade chamada Sítio Logradorzinho, onde vive seu Torquato Teixeira Neto (53 anos), agricultor familiar que, com a assessoria do Seapac, reverteu a degradação do solo numa área de um hectare na sua propriedade de 15 hectares, herança de sua avó materna.

“O salão de terra estava muito duro, como se fosse aparecendo a pedra. A área estava muito degradada. Havia sido tirado todo o nutriente da terra”, descreve seu Torquato. “No tempo do algodão, era plantado algodão aqui em tudo o que é área. [O solo] deve ter sido cortado de trator e foi ficando cada vez mais rasteiro, degradado e, a cada ano, foi ficando mais pior ainda”, continua.

O início da recuperação da área data de 2013. Foi feita curva de nível para evitar que a chuva arrastasse a matéria orgânica do solo e, depois, foi jogada muita matéria orgânica na área que ficou reservada. “A primeira providência de Torquato, visando recuperar o solo, foi o isolamento total para que o solo pudesse descansar e se recuperar a partir de técnicas de manejo bem simples que estão ao alcance de qualquer produtor. O investimento, no caso da recuperação do solo de Torquato, foi de menos de R$ 2 mil”, registra a edição 1572 do boletim O Candeeiro, que divulga experiências da agricultura familiar que são referência no Semiárido brasileiro.

Hoje, oito anos depois, seu Toquarto fala que existe uma “matazinha” no lugar onde o solo estava completamente descoberto de vegetação. Algaroba, jurema, juazeiro, sabiá são algumas árvores que se desenvolvem lá.

Um registro feito hoje (15) da área onde em 2013 não havia um pé de planta e o solo era branco e seco | Foto: Torquato Teixeira Neto/Arquivo pessoal
Seu Torquato fala também que, ao redor desta área em recuperação, há mais solo que também precisa de cuidado na sua propriedade. Mas, falta a ele condições para investir nesta área. Por isso, para que iniciativas como estas se multipliquem e alcancem uma escala que promova a recuperação de uma área significativa do Semiárido, é preciso investimento público continuado e políticas públicas de proteção do solo.

Solo, organismo vivo – O engenheiro agrônomo do Seapac ressalta que o solo estoca água e recicla nutrientes, protege contra enchentes, produz alimentos, sequestra carbono e abriga cerca de 25% da biodiversidade do planeta. “A natureza leva cerca de dois mil anos para criar uma camada de apenas dez centímetros de solo fértil, enquanto o mau uso resulta em danos permanentes”, compara Procópio.

Segundo ele, cerca de metade dos solos férteis do planeta teria sido perdida nos últimos 150 anos. “Deve-se buscar desenvolver a forma como o/a agricultor/a e os povos tradicionais entendem o solo, ampliando a percepção de sua importância, permitindo a melhor compreensão dos desafios relacionados e aumentando assim a mobilização social em torno da sua conservação. É imprescindível que se tenha espaços na sociedade e no governo para discussão e comunicação de políticas públicas relacionadas ao solo”, defende o engenheiro agrônomo.

Solo desnutrido e gente com fome – Para debater a relação entre a degradação do solo, a desertificação e as mudanças climáticas com a segurança hídrica e a soberania e segurança alimentar, a ASA Potiguar realiza hoje, às 19h, uma live.

Participam deste momento virtual representantes da ASA do RN, do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social do RN, da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), dos Comitês de Bacias Hidrográficas, do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) e da Secretaria do Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar do RN (Sedraf-RN).

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